Esta edição de ECCE HOMO — COMO SE CHEGA A SER O QUE SE É de 1952 pela Guimarães & C.ª Editores é uma preciosidade para qualquer amante de livros ou admirador do célebre filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Primeiramente, considere-se o contexto histórico. Estamos a falar de uma edição publicada menos de uma década após o fim da Segunda Guerra Mundial, numa época em que o pensamento filosófico europeu se tentava reconstruir após a devastação. Ter em mãos um exemplar dessa época é como segurar um fragmento vivo da história do pensamento ocidental. Depois, a editora Guimarães & C.ª tem um legado respeitável. Nos anos 1950, era uma referência em publicações de literatura e filosofia em português, e a sua curadoria editorial era feita com extremo cuidado (além de Nietzsche, a Guimarães & C.ª publicara também Tomás Morus, Hegel, Bertrand Russell e Aristóteles). A presente edição, portanto, não se trata apenas de uma tradução, mas também de um esforço intelectual significativo para trazer Nietzsche ao público lusófono de maneira acessível e fiel. Além disso, considere-se também a experiência estética. Livros daquela época carregam um charme próprio: o papel, a tipografia, e sobretudo a capa, reflectem um design e uma produção que hoje são raros. É um objecto que transcende o conteúdo para se tornar também um artefacto cativante. Por fim, a obra em si. É um livro mais adequado a leitores já familiarizados com as obras principais de Nietzsche, pois foi escrito enquanto fazia os últimos ajustes antes da sua crise psicótica. Nietzsche demonstra uma postura única, expressando gratidão pela sua doença e mostrando como ela tornou a sua vida mais rica, sem espaço para queixas ou ressentimentos. Apesar de ter criticado Wagner noutros textos, mostra-lhe uma enorme gratidão neste livro, valorizando a relação que tiveram. Nietzsche também incentiva o leitor a descobrir a tarefa única que só ele pode realizar, e a evitar gastar energia em negações ou reacções desnecessárias. Ele rejeita a ideia de esforço e de luta, afirmando que viveu a sua filosofia de maneira natural, sem heroísmo ou propósito premeditado. A sua influência filosófica, no entanto, não se deve apenas ao intelecto extraordinário, mas ao facto de ter vivido intensamente as suas ideias, formuladas em caminhadas ao ar livre e não em bibliotecas, demonstrando que ser revolucionário exige viver como tal. Após escrever ECCE HOMO em 1888, Friedrich Nietzsche sofreu uma deterioração mental rápida e severa. Em janeiro de 1889, Nietzsche teve um colapso mental nas ruas de Turim, Itália. Esse evento marcou o fim da sua carreira produtiva como filósofo e escritor. Após o colapso, Nietzsche passou os últimos 11 anos da sua vida sob os cuidados da sua mãe e da sua irmã, num estado de demência progressiva. Nietzsche faleceu a 25 de agosto de 1900, aos 55 anos de idade, em Weimar, Alemanha.