Silvia Federici, filósofa política ítalo-americana e militante feminista radical, tem centrado os seus estudos na origem histórica do capitalismo e nos processos que Marx chamou de «acumulação primitiva», reinterpretando-os a partir de uma perspetiva feminista. A sua obra mais conhecida, Calibã e a Bruxa, analisa a transição do feudalismo para o Estado moderno, destacando como a caça às bruxas instituiu uma nova divisão sexual do trabalho, confinando as mulheres ao papel reprodutivo.
Em O Capitalismo Patriarcal, Federici aprofunda essa análise, reunindo textos escritos entre 1975 e 2017, maioritariamente conferências, que articulam marxismo e feminismo em torno da questão do trabalho. A autora mostra como o capitalismo patriarcal reforçou formas de dominação baseadas no género, organizando a exploração a partir da naturalização do trabalho doméstico e do controlo sobre o corpo e a sexualidade das mulheres.
Os capítulos finais – «A invenção da dona de casa» e «Origens e desenvolvimento do trabalho sexual nos EUA e na Grã-Bretanha» – demonstram como, no século XIX, reformas laborais retiraram as mulheres das fábricas, elevaram os salários masculinos e instituíram o modelo da dona de casa a tempo inteiro, consolidando a ideia de que o trabalho doméstico era um «trabalho de mulher». Em paralelo, surgiram políticas repressivas sobre a sexualidade e o trabalho sexual, que reforçaram a moralidade burguesa e negaram às mulheres a autonomia sobre o seu prazer e rendimento.
O livro recupera também a experiência do movimento Wages for Housework (Um salário para o trabalho doméstico), do qual Federici participou, e sublinha como o não reconhecimento do trabalho doméstico gratuito foi central para a exploração capitalista – articulando género, classe, «raça» e idade numa lógica que antecipa a crítica feminista interseccional.
Assim, Federici demonstra que o capitalismo não apenas se apoia em estruturas patriarcais, mas também as produz, estendendo mecanismos de controlo a dimensões íntimas da vida. A sua obra constitui, portanto, uma ferramenta crítica para compreender os «potenciais totalitários» das sociedades capitalistas e para pensar formas de resistência e emancipação.