CASIO TONE: DOMICÍLIA DOS DOIS LADOS DO ESPELHO – Pedro Pinho

17.00

CASIO TONE: DOMICÍLIA DOS DOIS LADOS DO ESPELHO (17€)
Author: Pedro Pinto (a partir do espectáculo de Sílvia Real e Sérgio Pelágio)
Publisher: Produções Real Pelágio
Date: 2024
Language: Portuguese / English
Pages: 294pp
Size: 240 x 165 mm
ISBN: 9789893361146

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[PT]
«Tinha vinte anos quando assisti à estreia de Casio Tone em Lisboa. Aquela personagem tomou-me de imediato, quase um assombro. Ela dançava uma parte envergonhada de mim. Dentro daquela casinha, o corpo da Sílvia parecia cristalizar tudo aquilo que eu, de forma mais ou menos consciente, tendia a esconder de quem me rodeava enquanto crescia, a começar pelos meus pais, e até de mim próprio. E o meu riso soltava-se com ela, não por qualquer impulso depreciativo face ao ridículo, mas porque, pela primeira vez, encontrava poesia naquilo que incorporara como “anormal” desde criança, mesmo sem precisar de diagnóstico.
Casio Tone será uma das primeiras peças coreográficas contemporâneas (se não mesmo a primeira, tanto quanto sei) sobre saúde mental. Nela, a doença mental surge como tema-chave, não tanto por vontade dos seus criadores (como veremos na Parte I) mas por força dos discursos que a peça eventualmente produz, e dos quais, conscientemente ou não, a sua construção também se serviu.
Quando digo “doença mental” não me refiro à grandiosa loucura do teatro, à gloriosa insanidade do amor e da morte. Refiro-me antes à pequena e recalcitrante perturbação, às mundanas e tácitas anormalidades do comportamento humano, tantas vezes resguardadas de olhares alheios – aquilo que os psiquiatras de há cerca de dois séculos chamaram de “neuroses” – muitas das quais são hoje agrupadas sob a definição e diagnóstico de perturbação obsessiva compulsiva (POC). Os seus sintomas caracterizam-se geralmente pela repetição incontrolável de certas ideias e acções, o que as torna potencialmente disfuncionais e angustiantes para quem assim as experimenta. Não sendo eu psiquiatra, nem sendo a Dona Domicília uma pessoa em sentido médico-jurídico, diria que dez minutos de peça bastariam para que um exame de diagnóstico de POC lhe fosse recomendado.
A modernidade industrializada exaltou a imagética do corpo mecanizado, exigiu-nos o adestramento repetitivo do movimento a toda a hora e em toda a parte, uma corporalidade cada vez mais constrita, automática, compulsiva – e depois explicou que tudo isso é normal na conduta humana, desde que tais “rituais”, como se diz condescendentemente na gíria psiquiátrica, sejam úteis. Em 1997, a persona da Dona Domicília parecia, e hoje ainda mais me parece, saber isso muito bem.» Pedro Pinto

[EN]
«I was twenty-years-old when I watched the premiere of Casio Tone in Lisbon. Its character took me right away, almost as a shock. She danced an embarrassed side of myself. In that tiny house, Sílvia’s body seemed to crystalize everything that I, more or less consciously, tended to hide from those around me as I grew up, starting with my parents, and even from myself. My laughter burst freely with her, not due to some deprecative impulse before the ridicule, but because, for the first time, I found poetry in what I had embodied as “abnormal” since my early childhood without any diagnosis.
Casio Tone is one of the first contemporary choreographic works (perhaps the first, as far as I know) about mental health. In this piece, mental illness emerges as a key theme, not really because of its authors’ intentions (as we will see in Part 1) but rather because of the meanings incidentally steaming from the show, and the discourses on which, consciously or not, the construction of its character also drew.
By “mental illness” I am not referring to the grandiose madness staged in theatrical oeuvres, the glorious insanity of love and death. Rather, I mean those little and unruly disorders, the mundane and tacit abnormalities of human behavior, so often concealed from people’s gaze – what psychiatrists from about two centuries ago called “neuroses” – many of which are nowadays grouped under the definition and diagnosis of obsessive-compulsive disorder (OCD). Its symptoms are generally characterized by the uncontrollable repetition of certain ideas and actions, thereby potentially dysfunctional and anguishing to those experiencing it. Neither am I a psychiatrist, nor is Ms. Domicília a person in the medico-legal sense, but I would say that the first ten mimutes of her performance would suffice for her to be recommended an OCD diagnostic exam.» Pedro Pinto